quarta-feira, 8 de maio de 2013

LIMITAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS PARA A PRODUÇÃO NACIONAL DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA E DO EURO

A austeridade que hoje é um elemento central do discurso político não é uma palavra nova nem para o capitalismo nem para Portugal.
O país vive em austeridade desde a saída do período revolucionário e a austeridade serve um propósito central, expropriar o trabalho, aumentar a taxa de exploração com vista à sustentação das taxas de lucros e restaurar as condições de rentabilidade do capital.

A austeridade é em si mesmo uma resposta do capitalismo a crise sistémica que atravessa e não podemos compreender a crise nacional, sem compreender o papel que a economia nacional desempenha no sistema capitalista mundial, nomeadamente ao nível da participação de Portugal no processo de integração capitalista europeia, que a União Europeia corporiza.

O modelo produtivo assente em baixos salários e na reexportação, inserido em cadeias de subcontratação sobre o domínio do grande capital multinacional que opera no mercado interno europeu, foi um modelo paulatinamente imposto e reforçado com a nossa adesão, servindo os interesses do capital estrangeiro e das camadas capitalistas nacionais de natureza rentista.

Um modelo que acentuou todos os nossos défices e consequentemente a nossa dependência externa, impondo condicionalismos ao modelo de desenvolvimento económico e social endógeno saído da Revolução.

Os programas do FMI logo em 1977 e depois 1983, assim como as ajudas de pré-adesão, contribuíram para preparar o país para a «gula» do capital europeu, com a brutal redução dos custos unitários do trabalho real que então se verificou, oferecendo assim uma reserva de mão-de-obra barata, em paralelo com um mercado de 10 milhões de consumidores, para absorver os excedentes agrícolas e industriais produzidos nos países do centro e norte da então Comunidade Económica Europeia.

Com a ajuda dos fundos estruturais e agrícolas comunitários, o país foi moldando o modelo económico/produtivo, ao serviço das necessidades do grande capital dos países centrais do sistema. Apanhando logo com a adesão o choque concorrencial da aceleração do processo de liberalização dos mercados de bens, serviços e capitais, com objectivo da constituição do mercado interno europeu, inscrito na primeira grande reforma dos Tratados que foi o Acto Único Europeu, que abriu as portas à União Europeia.

Ao mesmo tempo quer a nível nacional, se encetava o processo de privatizações, com a revisão constitucional de 1989, abrindo portas ao desmantelamento do Sector Empresarial do Estado, de sectores estratégicos para alavancar o nosso desenvolvimento endógeno e a sua venda ao capital estrangeiro.

Estavam os passos dados para o desmantelamento progressivo do aparelho produtivo nacional, a especialização em sectores de baixo valor acrescentado ligados a uma progressiva terceirização da economia nacional.

Produzir menos, para dever mais, num contexto em que o país se tornava paulatinamente um «importador líquido» de países como a Alemanha e, por isso, um devedor líquido face ao exterior, com o peso do serviço da dívida externa na forma de juros a aumentar, assim como a venda de activos para o exterior, de que resultaram a expatriação de dividendos e lucros. Uma expropriação progressiva da riqueza nacional transferida para o capital estrangeiro, sobretudo financeiro.

O défice externo na balança corrente, crescente, rapidamente se transformava num défice orçamental, com a progressiva transformação da dívida privada em dívida pública.

Os constrangimentos da integração foram se tornando cada vez mas atentatórios da independência nacional. A liberalização dos mercados foi logo seguida pela perda da soberania orçamental, com o Pacto de Estabilidade, reforçada hoje com o Tratado Orçamental, a perda de soberania monetária, com o Euro, reforçada hoje com o «Pacto para o Euro Mais» e o Mecanismo de Estabilidade Europeu.

Em paralelo com uma intervenção na política económica e social interna, por via da Estratégia de Lisboa e dos programas nacionais de reforma, que impõem a cada Estado-membro uma agenda de liberalização dos mercados públicos e financeiros, a par da desregulamentação do mercado de trabalho, reforçada hoje com a Estratégia 2020, o Semestre Europeu e o Mecanismo de Desequilíbrios Externos.

Tudo parte da resposta do capitalismo a crise que atravessa, uma resposta que incorpora desde o início dos anos 90 do século passado o denominado consenso de Washington, com objectivo central de reduzir os custos unitários de trabalho, transferir os ganhos de produtividade do trabalho para o capital, com vista a restaurar as condições de rentabilidade do capital.

Os quatro principais princípios deste «consenso» concorrem para este objectivo e estão inscritos nos Tratados da União Europeia: a saber: a estabilidade de preços, ou seja, a moderação salarial; a consolidação orçamental; a desregulamentação dos mercado de bens, serviços, capitais e trabalho e a liberalização do comércio internacional.

A estabilidade de preços, objectivo único da política monetária do Banco Central Europeu, visa no fundo garantir que os salários crescem abaixo da produtividade do trabalho, ou seja, garantir a transferência dos ganhos de produtividade do trabalho para o capital, contribuindo para o aumento da taxa de exploração sobre o trabalho.

A consolidação orçamental, transcrita no Pacto de Estabilidade e no novo Tratado Orçamental, visa também contribuir para a redução dos custos unitários de trabalho, incidindo sobre os trabalhadores do sector público e as consequências que a redução das remunerações e direitos nestes têm sobre os trabalhadores do sector privado, ao mesmo tempo que promove a privatização de bens e serviços públicos e utiliza os impostos para refinanciar o capital, por via da despesa fiscal (isenções e benefícios fiscais), da garantia de taxas de lucro (como é o caso das parcerias público-privadas) e da injecção directa de capital (o caso da banca).

A desregulamentação do mercado de trabalho, o redução dos custos de refinanciamento do capital e a liberalização dos mercados de bens, serviços e capitais, está transcrita na agenda patronal de Lisboa, com vista a promover a moderação salarial, a precarização dos vínculos contratuais, o aumento do horário e ritmo de trabalho e a facilitação e redução dos custos do despedimento, ao mesmo tempo em que se aumenta a concorrência, com vista ao aproveitamento de mercados existentes, sobretudo dos serviços financeiros e da abertura dos regimes nacionais de pensões a lógicas de rentabilização privadas.

Liberalização que põe em concorrência as forças de trabalho ao nível nacional e internacional, no contexto da liberalização do comércio internacional promovida ao nível da Organização Mundial de Comércio e a proliferação de acordos de comércio bilaterais entre zonas de integração regional.

Neste quadro temos de sublinhar o papel estratégico do Euro e da União Económica e Monetária, como instrumento de classe ao serviço do grande capital multinacional que opera no mercado interno europeu.

Não só por via da redução dos custos de internalização e internacionalização do capital que promove, mas também pela pressão que exerce no sentido da redução dos custos unitários de trabalho, uma vez que existindo uma política monetária única e fortes constrangimentos sobre o uso da política orçamental e fiscal, as únicas variáveis que subsistem de ajustamento face a choques económicos, nomeadamente de natureza assimétrica, são os salários e o emprego, ou seja, a desvalorização salarial e o desemprego.

Num contexto em que o Estado continua a «libertar»importantes recursos públicos (ao nível dos salários e das funções sociais, como a saúde, educação e segurança social) para continuar a injectar milhões e milhões de euros no sistema bancário e financeiro, por conta dos impostos pagos pelos trabalhadores por conta de outrem.

Tudo reforçado na periferia do sistema, com uma nova leva de programas de ajustamento «estrutural», agora em formato Troika, do Fundo Monetário Internacional, da União Europeia e do Banco Central Europeu, no qual se inclui o pacto de agressão a que Portugal e os Portugueses se encontram actualmente sujeitos.

Vejamos com números concretos, onde esta estratégia nos conduziu, tomando como base de partida as últimas previsões económicas da Comissão Europeia para o ano de 2013, elas próprias já revistas em baixa pelos dados avançados pelos o Governo após a sétima avaliação.
Em 2013, o PIB (Produto Interno Bruto) nacional estará ao nível de 2000. Desde que actual Governo entrou em funções,o PIB terá uma contracção de 7,9 mil milhões de euros. Por sua vez, O PIB por habitante estará ao nível de 1998, ou seja, menos 750 euros por habitante face a 2011. Desde 2001, que economia está em divergência continuada com a União Europeia.

Em ligação, o RNB (Rendimento Nacional Bruto), a riqueza produzida pelos nacionais, estará ao nível de 1999, menos 8,1 mil milhões em relação a 2011 e menos 6 mil milhões face ao valor do PIB, o que também mostra a nossa dependência do exterior.

Em 2013, o investimento (Fabricação Bruta de Capital Fixo) estará ao nível de 1987, menos 6,1 milhões de euros desde que o Governo entrou em funções, menos 17,4 mil milhões face a introdução do Euro.O consumo privado estará ao nível de 1999, uma redução de 8,7 mil milhões de euros face a 2011.

A década do Euro foi também significativa para o aceleramento do nosso processo de desindustrialização, ou seja, de perda de riqueza, de capacidade de gerar bens para satisfazer as nossas necessidades e que possam ser transaccionáveis com exterior. Desde a introdução do Euro, a produção industrial teve uma redução acumulada de 16,3% e, em 2011, estava ao nível de 1994.

Em 2013, o nível de emprego estará ao nível de 1988, o que quer dizer que desde 2011 se destruíram 332 mil postos de trabalho, 592 mil desde a introdução do Euro.

O outro lado da «moeda», para além do crescimento dos inactivos, do subemprego e da economia paralela, é o aumento brutal do desemprego, cujo volume e taxa em 2013 estará ao nível mais elevado de sempre.Teremos mais 227 mil desempregados face a 2011 e um número de desempregados 2,3 vezes ao que tínhamos quando da adesão.

O caminho de consolidação do mercado interno europeu e da convergência nominal de Maastricht custou ao país mais 47 mil desempregados. O caminho pós-euro custou ao país 692 mil desempregados. Considerando aqui apenas o desemprego oficial, uma vez que o desemprego real pode ser quase o dobro destes valores.

Em 2013, a compensação salarial real por empregado (salários reais) estará ao nível de 2008. Por sua vez, o peso dos salários no produto, ou seja a quota-parte do produto que remunera o trabalho, estará ao nível de 1990 e é inferior ao que se verificava a quando da adesão. Isto significa que o nível dos custos unitários do trabalho reais se encontram também ao nível de 1990.

Desde que o governo entrou em funções, o peso dos salários no produto evidenciou uma descida 2,3 p.p., ou seja, indicativo de um dos maiores aumentos da taxa de exploração do trabalho nos últimos anos, só comparável aquela que se verificou em 2005-2007, durante o Governo PS/Sócrates.

Por outro lado, o peso dos salários no produto teve uma descida de 3,8 p.p. desde a introdução do Euro. Percebe-se assim a quem serviu a moeda única, quando desde o Euro os lucros líquidos cresceram mais de 8 vezes mais que os salários em Portugal(que tiveram um crescimento médio de 0,3%, quase nulo) e quase 4 vezes mais na zona Euro.

Quanto à balança de bens, apesar da forte redução das importações por via do empobrecimento acelerado dos portugueses pós-2011, o défice previsto em 2013 é 2,5 vezes superior ao que tínhamos em 1986, após se ter atingido um pico de 22,2 mil milhões de euros de défice em 2008, o qual desde o Euro se tinha vindo a agravar sistematicamente. O mesmo se passa do lado da Balança corrente, cujo défice é quase 6 vezes superior face ao que se verificava em 1986.
Este é o ciclo vicioso em que Portugal se encontra, não só de desvalorização progressiva do valor de trabalho e de desemprego crescente, mas também de um aumento progressivo da dependência externa.
Um país que produz menos, aumenta a sua dependência e deve mais, também não consegue consolidar as contas públicas. O défice e a dívida pública tornam-se álibis para justificar a estratégia de intensificação da exploração do trabalho e de entrega dos mercados públicos a lógicas de rentabilização privada.

Em 2013, de acordo com as previsões a dívida pública terá atingido os 203,1 mil milhões de euros, mais 18,4 mil milhões desde que o Governo entrou em funções e será quase 13 vezes superior a dívida existente em 1986. O défice esse também terá um aumento de 560 milhões de euros face a 2011 e será 2 vezes superior ao de 1997, quando se iniciariam os Programas de Estabilidade e 4 vezes superior aquele que existia quando da adesão.

Mas mais relevante é que se excluirmos os juros pagos, que aumentaram 360 milhões face a 2011, teríamos em 2013 as contas quase equilibradas, o que também demonstra que uma das questões centrais hoje se prende com a renegociação da dívida. em termos de montantes, juros e maturidades.

Também é verdade que as receitas fiscais previstas para 2013 de impostos indirectos terão uma quebra de 750 milhões, o que mostra as consequências da quebra de consumo, em linha da quebra do poder de compra, nas receitas fiscais.
Dizendo de outro modo, existe uma correlação positiva entre crescimento económico e o aumento das receitas fiscais, sem se ter de aumentar as taxas de imposto e carga fiscal sobre o trabalho. É importante sublinhar que em 2013 as receitas dos impostos indirectos estarão ao nível de 2009 e face ao pico mais elevado registado destas receitas em 2007, será inferior em 1,9 mil milhões de euros, ou seja, apesar das taxas de IVA legal em vigor então serem todas mais baixas, arrecadava-se mais receita.
Este retrato mostra bem a insustentabilidade económica e social desta política, mas também os interesses que serve, alicerçada pela ingerência da União Europeia. Não estamos perante políticas erradas, estamos perante políticas deliberadas, políticas de classe.
Esta linha de rumo está a ser aplicada em todos os países da União Europeia, com os instrumentos já referenciados, onde o Euro assume um papel de destaque. Estas são as amarras que condicionam o nosso desenvolvimento económico e social. O nosso e dos restantes países da União Europeia.
A natureza de classe da União Europeia é hoje cada vez mais evidente. Sendo um processo histórico de resposta do capitalismo europeu às crises cíclicas que atravessa e um elemento da concertação/rivalidade do capital ao nível europeu, estamos perante um instrumento de classe efectivo na ofensiva contra o trabalho, que cria constrangimentos a luta dos trabalhadores e dos povos.
Um instrumento criado e desenvolvido pelo grande capital, seja pelas confederações patronais desde a sua génese (UNICE/Business Europe), seja pela mesa redonda dos industriais (ERT). Um instrumento, por isso, não reformável.
À medida que a crise se acentua, o instrumento tenta aprofundar-se, com as contradições inerentes ao próprio capital, elevando o patamar da ofensiva de classe em curso, com vista a garantir as condições de intensificação de exploração do trabalho e de rentabilidade perdidas, sempre ao serviço dos interesses do grande capital das potências imperialistas centrais, como a Alemanha.

A emancipação dos trabalhadores portugueses e dos outros trabalhadores dos países que constituem a União Europeia, passa pela tomada de consciência que não existem saídas no actual quadro que não passem por uma ruptura com as políticas vigentes, pela necessidade de derrotar o instrumento de classe que é a União Europeia, de fazer retornar aos Estados os instrumentos de política económica, monetária, orçamental e cambial e pôr no domínio público os sectores estratégicos que permitam alavancarem o desenvolvimento económico dos países, ao serviço dos trabalhadores e dos povos.

A ruptura com o processo de integração capitalista europeia tem que estar nas prioridades da luta dos trabalhadores e dos povos, por uma Europa de paz, progresso e cooperação. Temos que derrotar a União Europeia para construir o futuro.

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