Afinal pouco mudou nas políticas municipais e as
promessas eleitorais ficaram na gaveta
No passado dia 10 de Dezembro foi discutido e votado o Orçamento Municipal para 2014 do Município do Porto. Este
orçamento, o primeiro do novo mandato da actual coligação que governa a cidade,
gerava expectativas de alterações profundas das políticas e principais
orientações municipais, nomeadamente tendo em conta muitas das promessas
eleitorais efectuadas pelas candidaturas de Rui Moreira e Manuel Pizarro. Para
mais num contexto em que o orçamento municipal para 2013 apresentado por Rui
Rio e a Coligação PSD/CDS era não só o mais baixo do mandato, como um dos mais
baixos de sempre, cortando no investimento público e nos trabalhadores
municipais, aumentando o peso da carga fiscal sobre os portuenses, juntando
austeridade à austeridade.
Na proposta de Orçamento para 2014,
refere-se o rigor nas contas e a ambição na economia, mas, de facto, o que se percebe
é que os grandes projectos em relação à reabilitação do Mercado do Bolhão (que
vai comemorar o seu centenário sem ser reabilitado e sustentado por escoras),
às várias promessas de utilização do Matadouro Municipal, ao desenvolvimento do
Centro de Congressos, mesmo em relação à utilização dos Teatros Municipais
Rivoli e Campo Alegre, tudo fica a coberto de uma dotação de pouco mais de 158
mil euros, denominada «dinamismo económico», para estudar políticas neste
âmbito de futuro, à espera do novo quadro comunitário de apoio 2014-2020 e a
uma misterioso recurso a parcerias institucionais adequadas, que fazem lembrar
os tempos de Rui Rio e dos seus parceiros estratégicos privados pré-seleccionados que má memória nos deixam (Lá Féria/Todos ao Palco, Trancone,
AEP, Talento, entre outros).
Mesmo em relação às questões fiscais,
tudo fica igual ao que vinha da anterior maioria. As promessas de Manuel
Pizarro de reduzir a taxa de IMI para 0,3% ou de isenções totais e parciais na
derrama municipal, caem por terra. Sendo de salientar que a redução verificada
de 10% no IMI, para uma taxa de 0,36%, já tinha sido decidida pelo anterior
executivo. O mesmo pode ser dito sobre a excessiva «prudência» de orçamentar
por baixo as receitas previstas do IMI.
O que parece ter-se acentuado com o actual proposta de orçamento é a alienação de terrenos e edifícios municipais,
no valor total de 21,4 milhões de euros (só 80%, 17,1 milhões de euros, se
encontram inscritos no orçamento), alguns dos quais já tinham sido decididos
vender em hasta pública no orçamento de 2013, mas sem sucesso. A alienação
deste património acaba por hipotecar o futuro das estratégias municipais, em
troca de um fluxo financeiro no curto prazo, que representa um aumento de 11,5
milhões de euros face ao orçamento de 2013 (mais 204%), obviamente se for
concretizado. Esta inscrição orçamental visa fazer face à redução de 11,5
milhões de euros na poupança corrente face ao orçamento de 2013, para financiar
não só o investimento, mas também as transferências de capital e os passivos
financeiros do lado da despesa.
Na apresentação pública do orçamento
para 2014, o actual executivo afirmou que o orçamento para 2014 aumenta 6
milhões de euros, 3,4%, face ao orçamento para 2013, que o orçamento para a
cultura aumenta 10% e que o investimento nos bairros sociais será superior a 12
milhões, o que levou à publicação de notícias que davam como certo que houve um
aumento de mais de 5 milhões de euros. Mas a verdade dos números é outra.
Contudo, se tivermos em conta o
orçamento corrigido de 2013, com as várias modificações e revisões ao longo do
ano (Anexo I do relatório orçamental), vemos que o orçamento para 2014 teve de
facto uma redução de 25,3 milhões de euros (-12%) face ao de 2013. Obviamente,
que o orçamento 2013 corrigido tem a situação pontual do pagamento final dos
terrenos do Parque da Cidade, mas no relatório orçamental, algumas vezes se
salienta este mesmo orçamento a título comparativo, por exemplo da variação da
dotação para aquisição de serviços. Ou seja, utiliza-se para o que convém! Mas
também é verdade, que o orçamento apresentado de 184,5 milhões de euros, também
contém uma receita/despesa extraordinária, por imposição da Autoridade
Tributária, relativa à operação imobiliária do Bairro do Aleixo e do FEII que a
suporta, como se pode ler na página 19 e 20 do relatório orçamental. O que quer
dizer que existem 5,8 milhões de euros relativos a esta operação
contabilística, que aliás começou no mandato anterior, que obviamente não
deviam também ser utilizados para feitos de comparação orçamental (ver quadro
final). O que significa que retirando este valor, em termos nominais o
orçamento agora apresentado é equivalente em valor ao último orçamento de Rui
Rio, um dos mais baixos de sempre (ver gráfico 1). Em termos reais, se
descontarmos a inflação estimada no Orçamento de Estado para 2014 de 0,9%
(deflator do PIB), então temos mesmo uma ligeira redução, situando-se o
orçamento nos 177,1 milhões de euros. De lembrar que este valor representa uma
redução de quase 50 milhões de euros face ao orçamento municipal de 2010 (já
expurgados de receitas e despesas extraordinárias), que também foi um orçamento
de transição. Sendo também de salientar que uma coisa é o orçamento e outra é o
executado. O último relatório de contas do município para o exercício de 2012 mostra
isso mesmo, com um desvio orçamental de 41,2 milhões de euros e uma taxa de
execução de 79%. Esperemos aqui Rui Moreira não seja igual a Rui Rio. Claro que
retirando este valor, vemos a tendência dos últimos anos, o peso da despesa
corrente a aumentar e o peso da despesa de capital a diminuir.
Outra questão que importa salientar é
que o investimento na requalificação dos Bairros Municipais é de apenas 4,3
milhões de euros, como decorre no quadro q.15 e das páginas 29 e 30 do
relatório, ou seja, uma redução de 2,8 milhões de euros face ao previsto no
orçamento para 2013 e um dos mais baixos da última década, menos 15,2 milhões
de euros face ao orçamentado em 2010 (valores já corrigidos dos gastos com
manutenção efectuados pela Domus Social, E.E.M., ver gráfico 2). Os 12 milhões
apresentados decorrem das despesas de manutenção e conservação, 8 milhões de
euros financiados directamente pelas rendas pagas pelos inquilinos municipais.
Ora, no orçamento de 2013, o valor gasto incluindo estas despesas foi de 11,3
milhões de euros, o que significa que mesmo considerando estas despesas, o
acréscimo é residual e a verdade é que na grande requalificação ainda muito
está por fazer e nem todos os Bairros do denominado Grupo I foram
requalificados. Nada também é dito sobre as obras inacabadas e adiadas em 6
bairros municipais no orçamento de 2013 (Aldoar, Contumil, S. Roque da Lameira,
Santa Luzia, Rainha D. Leonor e Lagarteiro), em paralelo com o reforço de
consolas em vários bairros, tudo orçado em 9,7 milhões de euros, em virtude da
quebra dos compromissos relativos ao IHRU. É de salientar que durante as
últimas eleições houve a promessa do arranque das obras que ficaram suspensas.
Também nada é dito sobre as prioridades em termos de requalificação com as
verbas disponíveis para 2014. Mais uma vez aqui, o que temos é continuidade.
Sem o investimento do FEII, o
investimento em 2014 acaba por ter mesmo uma redução de 3,4 milhões de euros
face ao previsto em 2013, situando-se nos 26,3 milhões de euros, um dos mais
baixos dos últimos anos (mais uma vez expurgando questões de natureza
extraordinária e incluindo o investimento das empresas municipais). Mas também
significativo é que as restantes áreas de investimento também sofrem
importantes reduções: parques e jardins (-54,4%); mercados (-100,0%); viadutos;
arruamentos e obras complementares (-25,2%), escola (-67,2%), instalações e
serviços (-38,5%), sinalização e trânsito (-6,4%), para além dos 39,5% de
redução na requalificação dos bairros municipais.
Também ao nível da despesa programada
da GOP, E.E.M. existe uma redução significativa de 3,6 milhões de euros, sendo
que uma parte dos investimentos previstos são continuações de investimentos
inscritos em 2012 e 2013.
Um factor positivo a salientar é o
investimento na consolidação da Escarpa das Fontainhas, apesar de não se
perceber o que aconteceu aos quase 1,9 milhões de euros que foram previstos em
2012 e 2013, que decorreram de recomendações aprovadas da CDU. Pela negativa
ficamos a saber que o loteamento das Areias vai custar 2 milhões de euros em
2014 e 2015, o que nos mostra já os primeiros custos financeiros do acordo
extrajudicial com a Soares da Costa. Também não se vislumbra nada em relação ao
Mercado do Bolhão, nem uma pequena intervenção; como a prioridade Campanhã
parece só ser para 2015. Continua, isso sim, a prioridade para a Av. da
Boavista. Em relação à despesa feita pela Domus também temos uma redução de 3,2
milhões de euros.
Em relação aos principais objectivos
estratégicos apresentados pela nova maioria (quadro q.1, página 6 do
relatório), vemos também aqui uma continuidade, mas com redução da despesa. Ao
nível da promoção do ambiente urbano temos uma redução de 1,5 milhões de euros
e no Urbanismo e Reabilitação Urbana de 5,6 milhões de euros, o que contraria as propaladas prioridades estratégicas da
nova maioria. Com excepção do fundo de emergência social, que se apresenta como
«novidade», a resposta ao nível da solidariedade social é equivalente ao
passado, financiada parcialmente pela redução da despesa no objectivo educação.
Não se percebe, apesar de se
considerar importante que nos objectivos estratégicos esteja a cultura (sem a
confusão com Lazer), onde a despesa nesta área cresce 10%. O programa de
dinamização cultural é inferior em 120 mil euros ao apresentado por Rui Rio em
2013, financiando basicamente o mesmo (Rivoli, Campo Alegre, Casa da Música e
Fundação de Serralves), a que acresce 150 mil euros para a reabilitação da
Torre dos Clérigos. Mais uma vez falta um programa para dinamizar a criação e a
divulgação artística. Ao nível da despesa funcional o peso da cultura aumenta
dos 5% do orçamento para os 5,2%, a nível de valor um aumento de 7,6%, muito
devido ao aumento dos custos de estrutura.
Um outro aspecto de continuidade é mais
uma vez o custo da concessão da limpeza urbana de 50% da cidade. Em 2014 mantém
a previsão inicial do orçamento para 2013, de pouco mais de 9 milhões de euros,
entretanto já corrigida em alta este ano. É de recordar que este valor
permanece bastante acima do valor de adjudicação da concessão e acima do valor
inicial proposto. Este tem sido um dos negócios mais lesivos para o Município.
Se juntarmos às verbas executadas entre 2009 e 2013, o que foi orçamentado em
2013 e 2014, chegamos à conclusão que a concessão da limpeza irá custar mais 22
milhões de euros do que inicialmente previsto, mais 11,8 milhões de euros se
tivermos em conta o valor de adjudicação (ver gráfico 3). Este é outro legado
de Rui Rio que se perpetua, um negócio ruinoso para a cidade, aliás reconhecido
implicitamente pela anterior coligação PSD/CDS quando revogou o concurso para a
nova concessão de mais 40%. Com este negócio para os privados, pago pelo erário
público, podia-se ter iniciado a reabilitação do Bolhão ou mantido o
investimento na requalificação dos Bairros. Em paralelo, continuou-se a
desinvestir nos meios próprios da autarquia, nomeadamente nas viaturas e nas
condições de trabalho dos cantoneiros, da parte da limpeza não concessionada,
ao mesmo tempo que se afecta os direitos dos trabalhadores municipais que
trabalham nas concessionárias. Por isso, a CDU continua a defender que o bom
caminho passa pela revogação da concessão em curso.
Ao nível das
receitas, consideramos que as previsões são demasiado prudentes, nomeadamente
ao nível da receita do IMI e das transferências correntes do Estado por via da
participação do IRS, que se prevê de apenas 19 milhões de euros, uma redução
face ao aumento previsto da receita do IRS no Orçamento de Estado para 2014 de
3,5%, a que se junta o aumento da carga fiscal desde 2011.
A CDU
considera, por isso, que as promessas orçamentais ficaram largamente por
cumprir. Este orçamento não contribui para a modificação do modelo de
desenvolvimento da cidade, mantém prioridades do anterior executivo municipal e
não cumpre de facto as promessas eleitorais apresentadas pelas candidaturas
hoje coligadas nas últimas eleições autárquicas. Por isso, não serve a cidade,
nem os portuenses, pelo contrário, mantém a austeridade e delapida o património
municipal. A CDU considera que a nível local e nacional é necessária uma ruptura
com as políticas de direita. A CDU reafirma que existem alternativas. Podia-se
ter efectuado uma redução da carga fiscal no IMI (para 0,35%) e na derrama para
as pequenas e médias empresas (1%), sem grandes consequências orçamentais.
Podia-se ter reduzido a participação do IRS entre meio a um ponto percentual,
devolvendo rendimento às famílias. Havia margem para um programa de apoio ao
movimento associativo popular e um programa de dinamização para cultura. Havia
espaço para aumentar o investimento, reivindicando os compromissos face ao
poder central, mas mesmo recorrendo à capacidade de endividamento da própria
Câmara. Podia-se poupar recursos, fundindo ou extinguindo empresas municipais
ou reintegrando serviços de forma a aproveitar as competências existentes nos
trabalhadores municipais, revogando, por exemplo a concessão da limpeza ou
integrando no pelouro da Acção Social a Fundação Porto Social. Podia-se
maximizar a receita ao nível da venda de bens e serviços municipais e a venda
das habitações sociais aos seus inquilinos para gerar receita para a construção
de nova habitação social. Podia-se combater o desperdício de dinheiros públicos
herdado do passado, em custas judiciais, que muitas vezes não foram mais que
manobras delatórias de decisões da então maioria PSD/CDS (como é o caso da
Caixa de Reformas do ex-SMAS, da propaganda da autarquia e do Circuito da
Boavista). Podia-se abrir o caminho para a escolha de investimento em projectos
estruturantes que contribuam para a melhoria das condições de vida da população
e o desenvolvimento harmonioso da cidade, como o investimento em habitação
social e a custos controlados e reabilitação urbana, potenciando parcerias com
o sector cooperativo, na requalificação do Mercado do Bolhão e na continuação
do parque oriental. O que falta sobretudo neste orçamento é a ambição clara de
romper com actual modelo de desenvolvimento da cidade, uma visão estratégica da
cidade. O que temos é um orçamento de transição na continuidade.
Continuando
práticas antigas, a CDU mais uma vez não foi auscultada antes da elaboração do
orçamento, para apresentar as suas propostas e suas alternativas, de forma a
poderem ser incluídas em sede do debate orçamental. Isto faz com que o debate
seja de sentido único. As nossas expectativas neste capítulo foram goradas.
Face a esta
apreciação da proposta de Orçamento para 2014 da Câmara Municipal do Porto, a CDU,
em coerência com a suas posições sobre as principais orientações e dossiers
estratégicos para o Município do Porto, não teve alternativa ao voto contra.
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