quarta-feira, 8 de maio de 2013

POLÍTICAS SOCIAIS PARA O FUTURO?

Hoje, é normal os comentadores da opinião publicada falarem de politicas sociais para o futuro. Esta escolha de palavras faz depreender a necessidade que as políticas sociais que têm vindo a seguidas têm que ser alteradas, modificadas, que outras terão que ser desenhadas para responder à uma denominada nova realidade. Isto não será desligado de um discurso insistente sobre a sustentabilidade do financiamento das funções sociais do Estado e previsões sobre a evolução da pirâmide etária,rácios de activos/inactivos e o envelhecimento populacional nos países capitalistas mais desenvolvidos. Um discurso aliás que é difundido pelas principais organizações internacionais e, no nosso caso em particular, pela União Europeia. Este discurso está alicerçado num objectivo de consolidação orçamental, que tem vindo a ser prosseguido pelos diversos Governos nas últimas duas décadas nomeadamente nos países dos centro do sistema capitalista mundial, com grande insucesso, apesar dos contínuos cortes nas remunerações, direitos e no número de efectivos dos trabalhadores dos sector público, acompanhados de medidas de redução do valor e abrangência das políticas sociais. Vistas sobre o prisma das funções sociais do Estado, nomeadamente a segurança social, a saúde,a educação e demais  funções e serviços públicos que visam garantir direitos económicos e sociais, que se encontram consagrados na nossa Constituição da República.

Por isso podíamos inverter a ordem do tema proposto, para falarmos do futuro das políticas sociais e indo mais longe que futuro podemos perspectivar para o país sem o desenvolvimento e aprofundamento das funções sociais do Estado e do modelo económico que lhes dá suporte, como concebemos na saída da Revolução de Abril e expresso na Constituição da República que dela saiu.
 
Retornemos a um outro Portugal, voltemos 39 anos atrás, ao Portugal do 24 de Abril de 1974, ao Portugal dos meus país e dos meus avós, um Portugal cinzento, empobrecido, com amplas desigualdades sociais e sem mobilidade social, um Portugal sem perspectivas de futuro, um Portugal sem direitos, um Portugal do medo, da tortura, da censura, da repressão e da polícia política, da guerra colonial onde tantos portugueses perderam a vida,um Portugal onde todas as liberdades se encontravam sufocadas, onde o direito à educação e saúde era só para aqueles que podiam pagar, onde não havia o acesso à cultura, um Portugal sem segurança social, sem salário mínimo, onde não havia direitos laborais e sindicais, como o direito à greve, à negociação colectiva, o direito à actualização salarial anual, onde se era despedido sem justa causa e por motivos políticos. Este era o Portugal de 24 de Abril, culminando 45 anos de ditadura fascista.

Mas o anoitecer do dia 24 de Abril, deu-nos um novo alvorecer. Com o 25 de Abril de 1974, não foram só as liberdades que foram consagradas, mas um conjunto amplo de direitos: ao trabalho, à saúde, à habitação, à educação, à segurança social,à cultura e ao ensino, entre muitos outros, cabendo ao Estado uma responsabilização directa na efectivação desses direitos. Ao mesmo tempo que se prosseguiu uma política de reposição do poder de compra, onde também desempenhou um papel a instauração do salário mínimo. Em 1975, o peso dos salários no produto, indicador da repartição do rendimento entre capital e trabalho atingiu um dos níveis mais elevados de sempre.

As conquistas da revolução foram profundas. Os portugueses conquistaram não só os direitos que muitos povos já tinham conquistado no pós-segunda guerra mundial,com as derrotas do Nazi-Fascismo, como em muitos aspectos avançaram ainda mais,num contexto em que nos países do centro do sistema capitalista mundial,começava um período de refluxo, consequência do retorno visível da crise sistémica, de que o primeiro choque petrolífero foi a ponta do icebergue.

Os Portugueses passaram ter protecção na doença, no desemprego e, de forma, efectiva na velhice, com base num sistema contributivo. O sistema nacional de saúde foi uma das maiores conquistas, com a elevação dos principais indicadores e aumentando a esperança de vida. O sistema de ensino democratizou-se, permitindo o acesso a todos ao ensino superior, que permitiu a elevação dos padrões educativos e a aquisição de conhecimento. Os serviços públicos na área da energia, dos transportes e das comunicações garantiam a universalidade de acesso e melhoria das condições de vida, para além de alicerçarem alavancas do desenvolvimento económico e social endógeno do país, que a constituição de um sector empresarial do Estado por via das nacionalizações deu um importante contributo.A constituição de um poder local democrático, que permitiu combater as assimetrias regionais, realizar investimentos em infraestruturas essenciais e responder carências graves da população, como foi o caso do saneamento básico.

Este património de direitos e as políticas sociais em sentido amplo que lhe dão corpo são um adquirido civilizacional que importa fazer avançar e uma peça fundamental, não só na garantia e efectivo exercício das liberdades consagradas, como também no desenvolvimento económico e social do país.

Quando falo em políticas sociais em sentido amplo, é porque as políticas sociais não são políticas isoladas ou específicas, o que acabariam por ser, assim, apenas políticas para lidar com as consequências e não com as causas do desemprego, da pobreza, das desigualdades sociais, da exclusão social ou do abandono escolar. As políticas sociais têm que estar alicerçadas num modelo económico que promova a criação de riqueza, a sua justa repartição, as melhorias das condições de vida e a formação integral do individuo, tendo neste domínio o trabalho e valorização do trabalho um papel estrutural e central.

Mas o modelo económico que hoje temos não é o de Abril. É um outro, paulatinamente imposto pelas austeridades, que desde 1977 têm sido constantes, dos programas do FMI, aos programas de convergência nominal, ao nível do Mercado Interno e do Euro, depois com o Pacto de Estabilidade e os PECs e, hoje, reforçados, com o programa de assistência económica e financeira da(s) troika(s).

Um país que não produz, que não gera riqueza, que desaproveita o seu potencial de recursos naturais e humanos, nomeadamente com o desemprego, torna-se um país de défices, endividado e, por isso, dependente, fonte por isso de desigualdades na distribuição e repartição do rendimento, de pobreza e exclusão social. Um país que perde a sua autonomia orçamental, fiscal e monetária é um país incapaz de garantiras funções sociais do Estado e os serviços públicos necessários, não só a promover a integração social, como também o crescimento económico. Um país que se baseia num modelo de baixos salários e em cadeias de subcontratação com o capital multinacional que opera do mercado interno doméstico e europeu, acaba por se especializar em sectores de baixo valor acrescentado, de baixa produtividade e, por isso, não libertando rendimento suficiente para o consumo e a poupança. Um país com cerca de um milhão de desempregados de acordo com as estatísticas oficiais, igual número de trabalhadores em situação vulnerável e precária,cerca de 2 milhões de pessoas abaixo do limiar da pobreza (limiar esse que tem vindo a baixar), com um dos mais elevados níveis de desigualdade de rendimentos da União Europeia e onde o peso dos salários do produto se encontra hoje ao nível da nossa adesão à então Comunidade Económica Europeia, não é um país que está a cumprir as promessas de Abril, onde as liberdades e direitos da população estejam a ser efectivados.

Veja-se o exemplo do acesso aos serviços públicos. Como é que se promove a integração social, quando o Estado não cumpre o seu papel ao nível da habitação social, por exemplo, com a descapitalização do IHRU, quando ao nível dos transportes públicos aumentam tarifas e se reduzem carreiras, quando continuam a encerrar serviços públicos, reduzindo a cobertura dos mesmos, por motivos de rentabilização económica, com encerramento de centros de saúde, estações de correio, esquadras da PSP e restantes serviços de proximidade do Estado.Falando do caso do Porto e do encerramento de estações de correio, para dar um exemplo,como é possível, a confirmarem-se os novos encerramentos de estações, que 7 das15 freguesias, cerca de 70 mil habitantes, fiquem sem cobertura de estabelecimentos postais, numa empresa - Correios de Portugal, que deu no ano passado mais de 50 milhões de euros de lucro?

Infelizmente,este património de direitos e políticas sociais está a ser posto em causa para responder a interesses que não são o do povo português. Reduz-se o valor e o acesso a prestações sociais, o que no caso das pensões e do subsídio de desemprego, baseado nos descontos que as pessoas efectuaram, temos uma clara quebra de compromisso por parte do Estado, o que transmite às pessoas falta de confiança no futuro. Reduz-se de forma directa e indirecta os salários,congelando-se o salário mínimo, que em termos líquidos não tira as pessoas de um limiar de pobreza. Reduz-se a progressividade do sistema fiscal, ao mesmo tempo em que se aumenta a carga fiscal e limita-se as deduções relativas à educação e à saúde. Aumentam-se taxas moderadoras na saúde e as propinas no ensino superior, em paralelo com o aumento das tarifas e preços em bens essenciais, ao mesmo tempo que se reduzem abonos, subsídios e isenções.Mudam-se as leis laborais, voltando a trazer de facto o despedimento sem justa causa, restringindo-se direitos. Avança-se mesmo com a ideia de co-pagamento nas áreas da saúde e da educação, no aumento da idade de reforma e novas reduções nos valores das pensões e prepara-se um despedimento massivo de trabalhadores do sector público, onde os professores têm sido um exemplo, apontando por isso para novas reduções dos serviços públicos, preparando privatizações acordadas,ao serviços de lógicas de rentabilização privadas. Temos um ajuste de contas com Abril.

Mas o défice continua a derrapar e a dívida a aumentar. Do outro lado da balança temos a crise económica e social que continua a agravar-se, em Portugal e no resto da Europa.  Em 2013, de acordo com as previsões económicas da Comissão Europeia, o PIB nacional estará ao nível do ano 2000, o PIB por habitante ao nível de 1998, o emprego ao nível de 1988, o investimento privado ao nível de1987, a produção industrial ao nível de 1994, o peso dos salários no rendimento/produto ao nível de 1990, os salários reais ao nível de 2007 e o desemprego ao nível mais elevado de sempre, a que acresce mais de uma década a divergir com a União Europeia. Mas o volume de lucros esse está ao nível mais elevado de sempre, descontando aqui as micro-empresas e os trabalhadores por conta própria.

Sem a mudança do paradigma económico nacional, sem um reforço estruturado do aparelho produtivo, aproveitando os nossos recursos endógenos,sem a dinamização do nosso mercado interno, por via dos rendimentos,nomeadamente pela valorização salarial, sem parar a sangria de recursos que representa o serviço da dívida, nomeadamente dos juros, em paralelo com o repatriamento de lucros e dividendos, o país não poderá sair do ciclo vicioso em que se encontra. Esta é a ruptura necessária.

Para garantir o futuro das políticas sociais, não é necessário reinventar a roda, independentemente das melhorias e adaptações que sempre se terão de fazer, para acompanhar a evolução dos tempos. É necessário um modelo económico, que gere riqueza e a criação de postos de trabalho. Um modelo que tem como ponto partida a matriz constitucional. Os grandes problemas que enfrentámos, não são défice e inflação, mas sim de uma política económica que responda as questões centrais da produtividade, do desemprego e das desigualdades de rendimentos. Estas são as questões essenciais para a melhoria das condições de vida das populações e que respondem ao objectivo central que tem que presidir a problemática económica, a satisfação das necessidades humanas. As funções sociais do Estado e os serviços públicos, são mais que meros estabilizadores económicos, contribuem para alicerçar esse objectivo central. A sua sustentabilidade está directamente relacionada com essa capacidade de gerar riqueza e aproveitar recursos, contribuindo também por essa via para responder a questões de futuro, como o aumento da esperança de vida, o envelhecimento populacional e a baixa taxa de natalidade.

Uma sociedade que atingiu os níveis elevados de produto e de produtividade, nomeadamente nos países capitalistas mais avançados, para além das  possibilidades oferecidas pela revolução científica-técnica, a questão central não é como financiar ou onde cortar, é como distribuir a riqueza gerada. O problema essencial é de repartição. A pergunta é para onde vai o excedente produzido pelo trabalho e como este está a ser utilizado?

No caminho que trilhámos no presente e na construção do futuro,temos que questionar uma organização económica tendo por base a taxa de lucro e opções privadas, oriundas da posse dos meios de produção material.

O desafio que hoje nos é colocado, num momento em que relembramos Abril, é reclamar um país que faça cumprir e avançar Abril. É afirmar os valores e o património de Abril na construção de um Portugal de progresso social, liberto das amarras da exploração. Este é o ponto de partida, com confiança num futuro melhor, depende de nós.

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